No Brasil de hoje, nem a paz é um ponto pacífico

Há poucos dias, conversando com um amigo pastor, um seguidor de Jesus de Nazaré (sempre importante fazer essa especificação atualmente), ele me dizia com esperança nos olhos que seu grande trabalho para os próximos anos é o que ele chama de "evangelizar os evangélicos", ou seja, levar a libertação de Jesus para quem foi aprisionado pela religião, pelo moralismo e pelas convicções políticas dentro de sua própria igreja. "Só o evangelho de Jesus é o evangelho da paz capaz de unir direita e esquerda", ele disse.

Queria muito ter a esperança daquele homem. O que fui capaz de responder me fez mal diante do meu próprio ceticismo: quem disse que esses evangélicos querem paz? Quem disse que os milhões que se definem como "cristãos-conservadores-de-direita" nas redes sociais querem dividir a mesa com os cristãos que, conforme lhes ensinaram recentemente, sequer devem ser chamados de cristãos?

Mais do que a polarização, um dos grandes efeitos deletérios da tensão política dos últimos anos foi a implosão de pontes de diálogo. Faça um exercício de memória: quantas vezes você já se viu em um diálogo como os abaixo?

"Eu li uma reportagem": "Mas a imprensa é toda enviesada"; 

"Saiu uma pesquisa": "As pesquisas são todas manipuladas"; 

"Está nos livros de História": "Todos os livros foram escritos pela esquerda"; 

"Os artistas estão indignados": "Eles têm saudade da mamata da Lei Rouanet"; 

"Mas está na Bíblia": "Isso aí é leitura de esquerda. 

Não dá pra ser crente e ser de esquerda"; 

"Mas foi um ex-professor de Paulo Guedes que disse!": "Você quer que o Brasil vire a Venezuela?

A Bíblia recomenda paz, mas as redes sociais recomendam emocionalismo moral, violência, escárnio e radicalização. Queria acreditar, como meu amigo pastor, que a oferta de paz que Jesus tem a dar seja mesmo capaz de comover quem está armado até os dentes. Mas, para os religiosos das redes sociais, diálogo e conciliação são sinais de falta de convicção. Como chamar à conversa os que querem silenciar o outro? Como dividir o pão com quem julga que o pão pertence apenas a si? Como abraçar os que estão prestes a esmurrar? Não sei, mas, definitivamente, este é o desafio que está imposto aos homens de boa vontade do Brasil de hoje, dentro e fora das igrejas.

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