Futuro político de Bolsonaro está nas mãos de Lula

Bolsonaro completou duas semanas de reclusão. Descobriu com quatro anos de atraso o valor do silêncio. A derrota o fez perceber que, quando um presidente não tem nada de proveitoso a dizer, o melhor a fazer é não demonstrar com palavras os vazios da sua inconsciência. 

Trancou-se em seus rancores. Exilou-se no Alvorada. Seu sumiço proporciona o alívio típico de uma câmara de descompressão. Seu mutismo é um bálsamo auditivo. Enquanto o poder se desloca do Planalto para os gabinetes do governo de transição, o Brasil passa os ouvidos a limpo, à espera de novos ruídos.

O ambiente do Alvorada é um convite à reflexão. São 7.300 metros quadrados. Na entrada, o espelho d'água reflete as colunas vistosas plantadas ao longo da fachada projetada por Oscar Niemeyer. O salão principal esparrama-se por generosos 70 metros de extensão. 

No mezanino, o pé direito alcança nove metros. No quintal, além do lago artificial, há uma capela e jardins pelos quais se pode caminhar até seis quilômetros sem repetir uma única trilha. Faltam 50 dias para que Bolsonaro desocupe o imóvel. É tempo suficiente para uma boa autocrítica.

Se levasse a experiência a sério, Bolsonaro talvez percebesse que as urnas lhe roubaram o seu melhor papel. Pela primeira vez, não pode culpar os outros. Derrotou a si mesmo.

Se tivesse juízo, Bolsonaro evitaria se vangloriar pelos 58 milhões de votos que recebeu. É provável que esse contingente reúna mais órfãos da terceira via e antipetistas do que bolsonaristas convictos. Estes somam algo como 25%.

Valdemar Costa Neto, o dono do PL, já lançou o projeto "Bolsonaro 2026". Contra o "comunismo" e o "socialismo". Bolsonaro vive atrás de uma teoria unificada do universo. Algo que explique tudo o que é abominável. 

O mensaleiro Valdemar injeta humor na conjuntura ao aderir à certeza admirável do bolsonarismo. Agora, o dinheirista do mercado partidário também acredita que por trás de todos os males estão os comunistas. Por que procurar mais?

Para reter os eleitores que o escolheram como mal menor, Bolsonaro, o presidenciável prematuro, precisaria desintoxicar o seu coquetel programático, 100% feito de resíduos verbais herdados das décadas de 1960 e 1970. Teria que abandonar o moralismo bisonho, o desprezo à diversidade e o desapreço à liturgia democrática. 

Réu de caderneta do Supremo, Bolsonaro conta com o histórico de impunidade do Brasil para se manter elegível. Supondo-se que o Judiciário permita sua sobrevivência política, como a hipótese de virar um ex-Bolsonaro é algo inexistente, o futuro político do capitão está nas mãos de Lula.

Suprema ironia: Só um desastre do sucessor fará de Bolsonaro um presidenciável competitivo daqui a quatro anos.


Josias de Souza, colunista da UOL

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