Em oito meses e meio, quando o Congresso entrar em recesso, Arthur Lira descobrirá que o olimpo não tem escada. Dali a mais dois meses, na alvorada de um novo ano legislativo, seja qual for o resultado da sucessão interna da Câmara, as portas já não se abrirão sozinhas. Não haverá mais mansão oficial, geladeira cheia, mordomos e jatinhos da FAB à disposição da divindade. Lira conhecerá os rigores de uma maldição que marcou a trajetória de antecessores que não souberam se reinventar.
Marco Maia não conseguiu se reeleger deputado pelo Rio Grande do Sul. O paulista João Paulo Cunha, o potiguar Henrique Eduardo Alves e o carioca Eduardo Cunha fizeram escala na cadeia. O primeiro, carbonizado pelo mensalão, renunciou ao mandato . O segundo, após exercer 44 anos de mandatos ininterruptos como deputado, perdeu uma eleição para o governo do Rio Grande do Norte. Tentou retornar à Câmara, mas foi novamente barrado pelo eleitor. O terceiro, artífice do impeachment de Dilma Rousseff, foi afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal antes de ser cassado pelos colegas.
Rodrigo Maia, um dos presidentes mais longevos da Câmara, amargou o naufrágio do plano de fazer um sucessor. Seu candidato, Baleia Rossi, foi esmigalhado por Arthur Lira. Representante do Rio de Janeiro, Maia virou secretário da gestão João Doria, em São Paulo. Vigiado pela Abin paralela de Bolsonaro e acossado pelo bolsonarismo nas redes sociais, anteviu um novo fiasco ao se abster de tentar a sorte das urnas. Migrou para a iniciativa privada.
Alheio à síndrome do que está por vir, Lira desafia o ocaso exercitando o pecado capital da soberba. Apaixonado pela própria voz, acomodou Alexandre Padilha, o articulador político do Planalto, na caixa dos "desafetos pessoais". Chamou-o de "incompetente". O tiro ricocheteou no dono da articulação. Lula atirou de volta: "Só de teimosia, Padilha vai ficar muito tempo nesse cargo"
Pressentindo o cheiro de queimado, o deputado Elmar Nascimento, candidato de Lira à própria sucessão, levou as mãos ao extintor. Tenta apagar nos bastidores o incêndio que afugenta o governo para candidaturas alternativas. Os poderes de Lira decrescem na proporção direta do avanço do calendário eleitoral.
Logo, logo, premidos pela necessidade de acomodar aliados nas prefeituras de seus redutos, os deputados estarão mais interessados nas urnas do que na agenda econômica do ministro Fernando Haddad (Fazenda). Algo que transforma a irascibilidade de Lira numa aposta arriscada. Com sua "teimosia", Lula sinaliza a disposição de demonstrar que a divindade da Câmara e o pedaço do centrão que carrega o seu andor têm mais a perder do que o Planalto. Todos os ingredientes desse embate estão impregnados de ardis.
Nesse contexto, até os aliados começam a avaliar que Arthur Lira, cultor de mumunhas orçamentárias e sócio fundador da confraria do antigo orçamento secreto, brinca de corda sem atentar para o nó que asfixiou alguns dos seus antecessores. No Planalto, imagina-se que Lira, trancado em seus rancores, desperdiçará um naco do final de semana para desarmar o espírito.
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